Complicações Orais na Radioterapia e Quimioterapia
Os efeitos da radioterapia e quimioterapia nas doenças malignas são, indiscutivelmente, muito benéficos para o paciente. Essas modalidades terapêuticas atuam de forma seletiva nas células em rápida divisão (como as células tumorais, por exemplo). Infelizmente, essa seletividade não é absoluta, pois em nosso organismo, outras células apresentam taxas mitóticas elevadas, e essas, são também afetadas pela radio e quimioterapia, promovendo diversas complicações para os pacientes.
Radioterapia
A radioterapia destrói os componentes relacionados com a divisão celular, por isso, tem poder para inibir o crescimento dos tumores. Sendo assim, quanto maior for a taxa de multiplicação da célula, maiores serão os danos sofridos pela mesma. Os tecidos hematopoéticos, epiteliais e endoteliais são os mais afetados, por sua vez, as células nervosas e musculares são as mais resistentes.
O aparecimento de eritemas, que posteriormente evoluem para mucosite, normalmente ocorre nas primeiras semanas de tratamento de radioterapia. Essas lesões consistem em áreas eritematosas e/ou ulceradas em diversas regiões da cavidade oral, são bastante doloridas e costumam dificultar a alimentação do paciente. É bastante comum que lesões de candidose estejam presentes, juntamente com a mucosite.
Os botões gustativos são formados por tecido epitelial, sendo assim, também são bastante afetados pela radioterapia. Nas primeiras semanas, os pacientes costumam reclamar de dificuldades ou perda do paladar, podendo ser recuperado com o andamento do tratamento, sendo portanto, um sintoma reversível.
Os tecidos musculares relacionados com a mastigação (e que estejam na área de irradiação) poderão ser afetados, produzindo inflamação e fibrose, diminuindo assim, os movimentos mandibulares (trismo). Esse problema pode ser resolvido por meio de exercícios mandibulares, estimulando a abertura e fechamento da mandíbula durante todo o tratamento. Outras alterações incluem: Fibrose da submucosa, atrofia epitelial e diminuição da capacidade de cicatrização.
Um dos problemas mais comuns e que afetam muito a qualidade de vida dos pacientes é o acometimento das glândulas salivares que costumam ser afetadas por períodos indefinidos, sendo muitas vezes, afetadas permanentemente. Mesmo tendo origem de tecido epitelial, as glândulas salivares não são tão susceptíveis aos efeitos radioterápicos. O envolvimento glandular é provocado pelo dano ao tecido vascular responsável por nutri-lo, ocorrendo assim, atrofia e fibrose das glândulas. A hipossalivação provocada por esse quadro é um dos principais fatores relacionados com a diminuição da qualidade de vida desses pacientes. A falta de saliva na cavidade oral prejudica a capacidade de autolimpeza, defesa imunológica, defesa não imunológica, proteção dos elementos dentários, efeito tampão e lubrificação. A hipossalivação associada à mucosite provoca danos graves a saúde (já debilitada) do paciente. Esofagites, halitose, cáries por radiação (cervicais), dificuldades de deglutir, mastigar e falar são sinais e sintomas comumente relatados.
O suprimento vascular e as células do tecido ósseo também são afetados pelas doses de radiação, tornando-o sem vitalidade, e isso provoca uma das alterações mais sérias relacionadas com a radioterapia - a Osteorradionecrose. A mandíbula, por sua maior densidade, é mais afetada que a maxila. Essa condição é caracterizada pela presença de úlceras profundas com exposição e sequestros ósseas. Hoje, com a correta prevenção dessa doença, poucos casos têm ocorrido (prevalência de 5%). A maioria dos casos de osteorradionecrose ocorre após um trauma secundário, principalmente após extrações em pessoas que fazem ou fizeram tratamento de radioterapia.
A quantidade da dose de radiação está diretamente relacionada com o grau de hipossalivação e osteorradionecrose. Alguns tumores, como o carcinoma de células escamosas, necessitam de maiores doses de radiação (60Gy) aumentando os efeitos dessas complicações.
Anomalias de desenvolvimento podem ser encontradas em pacientes que foram submetidos à radioterapia quando crainças, algumas características como micrognatia, retrognatia e alterações nos ossos faciais podem ser encontradas. Calcificações dentárias, dilacerações radiculares e outras anomalias dentárias também podem ser visualizadas nesses pacientes.
Evolução microscópica das lesões de mucosite: Mucosa normal - Início da radiação - Erosão e aumento da resposta inflamatória - Ulceração - Cicatrização.
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2266835/ |
Aspecto raiográfico da Osteorradionecrose: Imagem radiolúcida difusa em aspecto de "roído de traça".
Disponível em: https://radiopaedia.org/cases/osteoradionecrosis-of-mandible |
Aspecto radiográfico de fratura patológica provocada pela osteorradionecrose.
Disponível em: https://radiopaedia.org/cases/mandibular-osteoradionecrosis-with-fracture |
Osteorradionecrose: Ulceração e exposição óssea.
Disponível em: https://oralcancerfoundation.org/complications/osteoradionecrosis/ |
Osteorradionecrose: Lesão bastante agressiva. Pode-se observar fratura patológica e supuração.
Disponível em: http://www.ghorayeb.com/mandibleOsteoradionecrosis.html |
Cárie de radiação: Lesões cariosas na região cervical dos dentes
Disponível em: http://penchasdentistry.com/prosthetics-dental-services/dental-oncology-specialist/ |
Paciente apresentando mucosite e infecção secundária (candidose)
Disponível em: https://emedicine.medscape.com/article/1079570-differential |
Quimioterapia
Como na radioterapia, a quimioterapia também afeta as células de rápidas taxas de proliferação, e da mesmas forma, células sadias também são acometidas. Mucosite, hipossalivação e alterações no paladar são os sintomas mais encontrados.
A quimioterapia provoca mielossupressão, causando trombocitopenia, neutropenia, linfocitopenia e outros problemas hematológicos. Dessa forma, é comum que pacientes submetidos a essa forma de tratamento apresentem sangramentos espontâneos na cavidade oral, principalmente na gengiva. O tratamento das leucemias é realizado com quimioterapia, então os danos da doença ao sistema sanguíneo somam-se aos danos do tratamento, provocando o aumento desses sangramentos.
Com a diminuição dos níveis de neutrófilos (neutropenia) , o paciente apresenta-se mais susceptível ao desenvolvimento de infecções secundárias, como as provocadas por fungos do gênero Candida, Herpes simples, citomegalovirus e varicela-zoster.
Estágios clínicos da mucosite: Mucosa saudável (Desenho superior), Lesões eritematosas e edemaciadas (esquerda), Ulcerações dolorosas (direita).
Disponível em: https://www.myvmc.com/diseases/oral-mucositis-om/ |
Mucosite: ulcerações extensas em cavidade oral.
Disponível em: https://www.medscape.com/viewarticle/844071 |
Lesões agressivas de mucosite.
Disponível em: http://www.myhealth.gov.my/en/oral-mucositis/ |
Mucosite em mucosa labial inferior e assoalho.
Disponível em: https://www.medgadget.com/2018/02/oral-mucositis-market-size-boost-to-reach-pronounce-growth-rate-of-7-cagr-by-top-vendors-and-forecasts-by-2023.html |
Conduta do Cirurgião-Dentista
O acompanhamento do paciente pelo odontólogo deve ser feito antes, durante e após o tratamento quimio/radioterápico, sendo esse profissional, de extrema importância na prevenção de complicações que podem por em risco a qualidade de vida (ou até mesmo a própria vida) do paciente. A principal forma de prevenção é o atendimento prévio ao tratamento oncológico, onde o profissional deverá remover todos os focos infecciosos (exodontias, raspagem e alisamento radicular, restaurações). Além disso, o paciente deverá ser instruído quando a importância da higienização oral correta para prevenção de complicações e um tratamento menos conturbado.
Os casos de mucosite são autolimitados, ou seja, resolvem-se por si mesmo, após o tratamento. O uso de pastilhas com antimicrobianos ajudam na prevenção de infecções oportunistas, como as citadas cimas, e a lidocaína em um veículo mais viscoso promove um maior conforto ao paciente. Caso seja necessário, medicações analgésicas mais poderosas poderão ser utilizadas.
Os problemas de hipossalivação costumam ser uma das maiores reclamações desses pacientes. Toda tentativa de estimulação salivar será bem-vinda. O uso de medicações como a pilocarpina e a cevimelina ajudam na estimulação do fluxo, embora devam sempre ser utilizadas com cuidado, pois são contraindicadas em pacientes com glaucoma, doenças pulmonares e ulcerações gastrintestinais. O uso de saliva artificial (embora não tão bem-vistos pelos pacientes), gomas de mascar sem açúcar, bebericar goles de água e géis umidificadores têm conseguido bons resultados, promovendo maior conforto aos pacientes. Produtos contendo álcool devem ser evitados.
Como mencionado acima, a alteração (disgeusia) ou perda (ageusia) do paladar são autolimitados e normalmente retornam à normalidade por volta de quatro meses após a radioterapia.
Uma questão bastante discutida na literatura acerca do tema é quanto a manutenção ou remoção dos elementos dentários. Sabe-se que anteriormente ao tratamento, o manejo odontológico deve estar pautado na eliminação de focos infecciosos (ou possíveis focos). Caso observe-se doença periodontal, grandes lesões cariosas e hábitos higiênicos ruins, opta-se pela remoção do dente. De qualquer forma, os dentes remanescentes devem ser avaliados periodicamente pelo cirurgião-dentista. Hábitos corretos de higiene devem ser sempre incentivados, sempre com o objetivo de reduzir focos infecciosos que possam vir a provocar injúrias aos tecidos. Aplicações tópicas de flúor frequentes são muito importantes para manter um ambiente oral satisfatório (logicamente não exclui, de forma alguma, a escovação e uso do fio dental por parte do paciente) e evitar as cáries rampantes.
Referencias:
ALBUQUERQUE, Iêda Lessa de Souza; CAMARGO, Teresa Caldas. Prevenção e tratamento da mucosite oral induzida por radioterapia: revisão de literatura. Rev. bras. cancerol, p. 195-209, 2007.
HERRERA HERRERA, A. et al. Osteorradionecrosis como secuela de la radioterapia. Avances en Odontoestomatología, v. 28, n. 4, p. 175-180, 2012.
HESPANHOL, Fernando Luiz et al. Manifestações bucais em pacientes submetidos à quimioterapia. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 1085-1094, 2010.
HUPP, James R.; TUCKER, Myron R.; ELLIS, Edward. Contemporary Oral and Maxillofacial Surgery-E-Book. Elsevier Health Sciences, 2013.
REGEZI, J.A; SCIUBA, J.J; JORDAN R.C.K. Patologia Oral: Correlações Clinicopatológicas. 6ª edição. Elsevier, 2013.
Uma questão bastante discutida na literatura acerca do tema é quanto a manutenção ou remoção dos elementos dentários. Sabe-se que anteriormente ao tratamento, o manejo odontológico deve estar pautado na eliminação de focos infecciosos (ou possíveis focos). Caso observe-se doença periodontal, grandes lesões cariosas e hábitos higiênicos ruins, opta-se pela remoção do dente. De qualquer forma, os dentes remanescentes devem ser avaliados periodicamente pelo cirurgião-dentista. Hábitos corretos de higiene devem ser sempre incentivados, sempre com o objetivo de reduzir focos infecciosos que possam vir a provocar injúrias aos tecidos. Aplicações tópicas de flúor frequentes são muito importantes para manter um ambiente oral satisfatório (logicamente não exclui, de forma alguma, a escovação e uso do fio dental por parte do paciente) e evitar as cáries rampantes.
Referencias:
ALBUQUERQUE, Iêda Lessa de Souza; CAMARGO, Teresa Caldas. Prevenção e tratamento da mucosite oral induzida por radioterapia: revisão de literatura. Rev. bras. cancerol, p. 195-209, 2007.
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NEVILLE, B.W.; DAMM, D.D.; ALLEN, C.M.; BOUQUOT, J.E. Patologia Oral e Maxilofacial. Trad.3a Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, 972p.
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STONE, Rebecca; FLIEDNER, Monica C.; SMIET, Antoine CM. Management of oral mucositis in patients with cancer. European Journal of Oncology Nursing, v. 9, p. S24-S32, 2005.